na espinha do dragão

quinta-feira, agosto 04, 2005

meditação

na orelha do dragão, começa girando o pedal constante, devagar, inúmeras rodas coordenadas, sobe e desce a perna dura, fim de tarde frio, laranja puro no céu, azul cobalto sobre a cabeça, empurra com força a alavanca ladeira acima, a serra longe à esquerda, verde escuro profundo, dois estudantes namorando devagar na praça, cadernos pelo chão, vira o topo do morro, a loja de aquários se ilumina, desliza, o corpo solto, o ar entra e sai, frio e quente, passa na frente do metrô vila madalena como uma flecha, o grito na cabeça, e a igreja da pompéia aparece lá no fundo à esquerda, cúpulas verde-prateadas, no alto do bairro, o cheiro da padaria, a loja de plantas e de novo arrastar o pedivela, força, força, morro acima, sobe e desce pela espinha do dragão, o vento passa pela copas das árvores, faz um barulho gostoso nas folhas, a subida vira à direita, aparece a grande antena, no final da ladeira se despede do catador, falô irmão, entra na doutor arnaldo, ou seja: zum pelo viaduto, cena de cinema, o sol bem baixo à esquerda, no fim da avenida sumaré, o sinal aberto, rouba o ônibus e sai na frente, klangt, na última marcha, mal vê os pinheiros do cemitério, diminui na frente da faculdade de medicina e pedala olhando para o chão, será que existem mesmo os tais túneis? passa devagar na frente do velório, um grupinho conversa sorrindo e fumando do lado de fora, lá dentro luzes frias, depois várias pistas se cruzam nervosas, vibram umas sobre as outras, é o cóccix ou a nuca do dragão? sobre o viaduto, à direita, uma longa fileira de copas verdes-marrons se extende pela avenida rebouças, pedestres saltitam pela calçada do viaduto, entre os buracos, um atravessa correndo, segurando o celular no bolso, a bicicleta arranca, cruzando os carros que entram na alameda santos, vira na avenida, na longa perspectiva o pontilhado das luzes vermelhas do trânsito parado, segue entre os carros, logo antes da augusta o cheiro do yakissoba invade a pista, no canteiro central as flores estão secas, como o resto da paisagem de inverno, no parque trianon diminui, aproveita o a avenida mais um pouco, e aperta de novo que os ônibus saíram do ponto lá atrás, a bicicleta desliza solta, feliz, radiante, plexo solar, abdome, costelas, o dragão não se move, contente com o carinho, no paraíso o melhor é passar rápido, é tudo apertado, tenso e esburacado, faz o contorno rápido, passa na frente da catedral ortodoxa, enxerga lá dentro e jura que sente o cheiro do incenso, solta-se na avenida vergueiro, rumo à liberdade, pedais soltos, o peito molhado, as mãos agarradas no guidão, corpo e bicicleta, um levando o outro, sem em cima, sem embaixo, corta pelas ruazinhas no bairro, zigue-zague, os moradores dos cortiços nos degraus da porta, as crianças brincando na calçada, música alta sai da janela, os estudantes vão em grupo pela rua, rindo, trim-trim, passa pelo meio deles.

desce da bicicleta na calçada da são joaquim
pára em frente ao portão de ferro
empurra a bicicleta para dentro
estaciona embaixo da escada
sobe o primeiro andar
tira os sapatos
a meia

entra no salão. faz uma reverência. silêncio.

|| Koun, 7:30 AM

1 Comments:

Adoro esse texto! Dá até pra sentir o friozinho na espinha, não do dragão, da minha.
Anonymous Anônimo, at 9:55 PM  

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