à medida que o sol vai se pondo
os braços esfriam
o peito ressente
os olhos acomodam
sem sujeito,
as pernas alegram-se
em circular movimento
e a alma se alarga
Na subida para casa passa-se por uma esquina com três plátanos na calçada.
Do outro lado da rua há uma linda praça, com um bosque que se estende encosta acima, até o mirante no topo do morro.
Dia após dia, à medida que a subida foi tornando-se mais fria, a praça amareleceu um pouco e com a secura tudo se tornou empoeirado.
Mas somente os plátanos perderam as folhas, como deviam fazer todos os anos no lugar de onde vieram. Os galhos agora estão nus, apontados para o céu.
Com isso, fez-se visível um ninho de ave na árvore do meio. A maçaroca de gravetos está bem no centro de onde era a copa, confundindo-se com a galharia seca.
Outro dia parei a bicicleta e subi no muro para ver se o ninho era habitado. Estava vazio. O pássaro foi pego desprevenido pelo comportamento temperado da árvore. Deve ter-se mudado, prontamente, para o bosque em frente.
Trata-se, sem dúvida, de um caso de incompatibilidade de invernos.
- Friaca
- Friaca
- Vish...
- Pedala pedala e não esquenta né?
- Mó frio.
ssssssssszzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssssssss
- Tá indo pra onde?
- Jaguaré e você?
- Lapa. Vem de onde?
- Do Carrefour.
- Tô vindo da Vila Sônia
- Eu pego ali por dentro da USP e a Politécnica, a avenida toda, diretão.
- Eu também, mas saio no portãozinho.
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssssssssssssssssssss
- O cara queria que eu ficasse lá vendo mulher.
- Onde
- No shopping. O pai dele trabalha lá.
- Ah é?
- Vou ficar vendo os outros trabalharem?
- É, nada a ver.
- Aí catei a bike e vou pra casa.
- Você trabalha lá?
- Onde?
- No Carrefour?
- Não, é o pai do meu amigo. Ele passou lá em casa e chamou pra dar um rolê de bike.
ssssssssssssssssssssssssssssssssssssssszzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
- Não tem trabalho então a gente sai de bike.
- Você trampa no quê?
- Trabalhei lá na Bariloche e saí e depois fui pra uma lanchonete e saí.
- E ia de bike?
- Ia. Lá no Parque dos Príncipes também, quando o patrão não levava de carro a gente ia de bike.
- É rapidinho.
- E o sujeito chega bem disposto. Agora eu chego em casa, tomo um banho bato um rango e cama.
- Pode crê.
- Eu morava pros lados de Carapicuíba, aí não dava pra ir de bike.
- Era pela Castelo?
- Era.
- E como era?
- Olha, ali onde eu morava, nunca vi lugar com tanto roubo.
- É mesmo?
- Vish, só ladrão.
- Mas a bike nada.
- Não.
- Ali na Elizeu, às vezes passo tardão voltando da aula, é meio sinistro.
- É, né?
- Tem que ficar ligeiro.
- Foda que os ladrão toma a bike e o cara fica a pé, nada a ver. Tá indo trampar fica sem a bike. Não pode.
- É mesmo, nem vale nada, o cara vende baratinho, mas dá mó dor de cabeça pra quem fica a pé.
- É sacanagem, não tem nada a ver. É por isso que eu não roubo bike.
- ...
- Não roubo, bike eu não roubo, não pode.
- É isso aí.
- Tô a fim de catar uma de corrida pra correr lá na USP.
- Opa, é legal.
- Mas vou comprar, não vou roubar não.
- Pode crê.
ssssszzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
- Ó as menina aí.
- Então, o seu amigo devia ter vindo junto.
- Haha, vou trazer ele.
- Você entra pelo portão principal?
- Entro.
- Belê.
- Boa noite.
- Boa noite.
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssszzzzzzzzz
- E no domingão você vem pedalar aqui? É pertinho.
- Quase nem venho. Fico lá na vila.
- É, dá preguiça, né?
- O domingo do cara, ele acorda tarde, lá no meio-dia. Toma banho e já almoça. De tarde vai dar rolê pela vila, na casa dos amigos, tomar cerveja, nem tenho vontade de vir aqui.
- É, domingão é legal fazer isso, catar a bike e passar na casa dos camaradas, parar no boteco, essas coisa.
- Aí de tarde tem jogo, o que dá amanhã? hem?
- Sei lá.
- Não vai dá pro São Paulo não.
- Vai ser legal. Opa eu saio pelo portãozinho aqui. Falô. Bom caminho.
- Falô, pra você também.
de segunda a sexta
flanar, vagar por aí
insistir com delicadeza
até que a cidade, resignada,
nos aceite em sua paisagem.
perseverar.