na espinha do dragão

sábado, julho 30, 2005

Cidade

"Por uma conclusão bem natural, a idéia de Civilização, para Jacinto, não se separava da imagem de Cidade, duma enorme Cidade, com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente. Nem este meu supercivilizado amigo compreendia que longe de armazéns servidos por três mil caixeiros; e de Mercados onde se despejam os vergéis e lezírias de trinta províncias; e de Bancos em que retine o ouro universal; e de Fábricas fumegando com ânsia, inventando com ânsia; e de Bibliotecas abarrotadas, a estalar, com a papelada dos séculos; e de fundas milhas de ruas, cortadas, por baixo e por cima, de fios de telégrafos, de fios de telefones, de canos de gases, de canos de fezes; e da fila atroante dos ônibus, tramas, carroças, velocípedes, calhambeques, parelhas de luxo; e de dois milhões duma vaga humanidade, fervilhando, a ofegar, através da Polícia, na busca dura do pão ou sob a ilusão do gozo – o homem do século XIX pudesse saborear, plenamente, a delícia de viver!"

(A cidade e as serras, Eça de Queirós)
|| Koun, 7:22 PM || (2) comments |

quarta-feira, julho 27, 2005

saudades de ontem

|| Koun, 2:34 PM || (0) comments |

terça-feira, julho 26, 2005

volta pra casa

à medida que o sol vai se pondo
os braços esfriam
o peito ressente
os olhos acomodam

sem sujeito,
as pernas alegram-se
em circular movimento

e a alma se alarga


|| Koun, 6:06 PM || (0) comments |

sábado, julho 23, 2005

sábado de bicicleta


















|| Koun, 7:18 PM || (2) comments |

sexta-feira, julho 22, 2005

manhã de inverno

|| Koun, 10:02 AM || (1) comments |

quarta-feira, julho 20, 2005

fim de caso

Na subida para casa passa-se por uma esquina com três plátanos na calçada.

Do outro lado da rua há uma linda praça, com um bosque que se estende encosta acima, até o mirante no topo do morro.

Dia após dia, à medida que a subida foi tornando-se mais fria, a praça amareleceu um pouco e com a secura tudo se tornou empoeirado.

Mas somente os plátanos perderam as folhas, como deviam fazer todos os anos no lugar de onde vieram. Os galhos agora estão nus, apontados para o céu.

Com isso, fez-se visível um ninho de ave na árvore do meio. A maçaroca de gravetos está bem no centro de onde era a copa, confundindo-se com a galharia seca.

Outro dia parei a bicicleta e subi no muro para ver se o ninho era habitado. Estava vazio. O pássaro foi pego desprevenido pelo comportamento temperado da árvore. Deve ter-se mudado, prontamente, para o bosque em frente.

Trata-se, sem dúvida, de um caso de incompatibilidade de invernos.


|| Koun, 11:16 PM || (0) comments |

terça-feira, julho 19, 2005

dois acusados

De Block para K.:

"– Para o suspeito, o movimento é melhor do que o repouso, pois aquele que repousa sempre pode, sem o saber, estar no prato de uma balança e ser pesado junto com os seus pecados."

(Kafka, O processo)
|| Koun, 11:53 PM || (0) comments |

segunda-feira, julho 18, 2005

Dimas

- Friaca
- Friaca
- Vish...
- Pedala pedala e não esquenta né?
- Mó frio.
ssssssssszzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssssssss
- Tá indo pra onde?
- Jaguaré e você?
- Lapa. Vem de onde?
- Do Carrefour.
- Tô vindo da Vila Sônia
- Eu pego ali por dentro da USP e a Politécnica, a avenida toda, diretão.
- Eu também, mas saio no portãozinho.
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssssssssssssssssssss
- O cara queria que eu ficasse lá vendo mulher.
- Onde
- No shopping. O pai dele trabalha lá.
- Ah é?
- Vou ficar vendo os outros trabalharem?
- É, nada a ver.
- Aí catei a bike e vou pra casa.
- Você trabalha lá?
- Onde?
- No Carrefour?
- Não, é o pai do meu amigo. Ele passou lá em casa e chamou pra dar um rolê de bike.
ssssssssssssssssssssssssssssssssssssssszzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
- Não tem trabalho então a gente sai de bike.
- Você trampa no quê?
- Trabalhei lá na Bariloche e saí e depois fui pra uma lanchonete e saí.
- E ia de bike?
- Ia. Lá no Parque dos Príncipes também, quando o patrão não levava de carro a gente ia de bike.
- É rapidinho.
- E o sujeito chega bem disposto. Agora eu chego em casa, tomo um banho bato um rango e cama.
- Pode crê.
- Eu morava pros lados de Carapicuíba, aí não dava pra ir de bike.
- Era pela Castelo?
- Era.
- E como era?
- Olha, ali onde eu morava, nunca vi lugar com tanto roubo.
- É mesmo?
- Vish, só ladrão.
- Mas a bike nada.
- Não.
- Ali na Elizeu, às vezes passo tardão voltando da aula, é meio sinistro.
- É, né?
- Tem que ficar ligeiro.
- Foda que os ladrão toma a bike e o cara fica a pé, nada a ver. Tá indo trampar fica sem a bike. Não pode.
- É mesmo, nem vale nada, o cara vende baratinho, mas dá mó dor de cabeça pra quem fica a pé.
- É sacanagem, não tem nada a ver. É por isso que eu não roubo bike.
- ...
- Não roubo, bike eu não roubo, não pode.
- É isso aí.
- Tô a fim de catar uma de corrida pra correr lá na USP.
- Opa, é legal.
- Mas vou comprar, não vou roubar não.
- Pode crê.
ssssszzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
- Ó as menina aí.
- Então, o seu amigo devia ter vindo junto.
- Haha, vou trazer ele.
- Você entra pelo portão principal?
- Entro.
- Belê.
- Boa noite.
- Boa noite.
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzsssssssssssssssssssszzzzzzzzz
- E no domingão você vem pedalar aqui? É pertinho.
- Quase nem venho. Fico lá na vila.
- É, dá preguiça, né?
- O domingo do cara, ele acorda tarde, lá no meio-dia. Toma banho e já almoça. De tarde vai dar rolê pela vila, na casa dos amigos, tomar cerveja, nem tenho vontade de vir aqui.
- É, domingão é legal fazer isso, catar a bike e passar na casa dos camaradas, parar no boteco, essas coisa.
- Aí de tarde tem jogo, o que dá amanhã? hem?
- Sei lá.
- Não vai dá pro São Paulo não.
- Vai ser legal. Opa eu saio pelo portãozinho aqui. Falô. Bom caminho.
- Falô, pra você também.

|| Koun, 7:29 PM || (1) comments |

o avesso e o direito

"Pois ser é tudo poder ao mesmo tempo. Em arte, ou tudo acontece simultaneamente ou nada acontece."

(Albert Camus, O avesso e o direito)
|| Koun, 3:36 PM || (0) comments |

domingo, julho 17, 2005

1:29

|| Koun, 1:31 AM || (0) comments |

sábado, julho 16, 2005

calendário

de segunda a sexta
flanar, vagar por aí
insistir com delicadeza
até que a cidade, resignada,
nos aceite em sua paisagem.

aos fins de semana,
perseverar.


|| Koun, 11:09 PM || (1) comments |

quarta-feira, julho 13, 2005

na espinha do dragão

Era uma vez um dragão que vivia nas profundezas do oceano.
Por não poder suportar certa mágoa, abandonou o fundo do mar e dirigiu-se para a costa.
Chegando a um litoral comprido, junto a uma planície alagadiça, avistou uma linda serra verde-azulada.

Seduzido por aquela jóia que brilhava distante, como um longo degrau esmeralda coberto pelas nuvens, foi à terra. Queria ir lá, atravessar as montanhas e ver o que havia do outro lado.

Ainda que fosse vigoroso, não foi fácil transpor a serra. Ora escorregadio, ora encantador, o caminho serpenteava entre cachoeiras e despenhadeiros e o dragão avançava com dificuldade, arrastando seu imenso corpo por entre a mata.

Quando finalmente chegou ao topo, estava exaurido.

Tudo o que pôde ver antes de tombar desacordado foi outra serra, além do planalto, essa muito escura, um rio sinuoso, margeado por uma mata baixa, repleta de aves, e um céu de um azul doído, e era inverno.

Imediatamente caiu num sono profundo de exaustão, que ainda hoje não terminou.

Tudo isso se deu inumeráveis eras atrás.

Enquanto dormia, a criatura continuou a crescer, atingindo muitos quilômetros de comprimento.
Bosques se formaram sobre seu corpo, ervas e árvores cresceram sobre suas escamas, confundindo-o com a paisagem.

É sobre o corpo desse dragão e em torno dele que hoje se ergue e se estende nossa cidade.

Ainda que ele tenha sido coberto pela vegetação, que córregos e lagos tenham se formado sobre seu corpo, que prédios, ruas, viadutos e carros hoje o tenham desfigurado, ele vive.

A pé ou de bicicleta, em um ou outro lugar da cidade é possível observar sinais de sua anatomia.


|| Koun, 12:49 PM || (2) comments |