na espinha do dragão

terça-feira, agosto 30, 2005

volte para casa
cuide das plantas
limpe os banheiros
costure seu manto

para isso, sim, é preciso coragem
|| Koun, 7:19 PM || (1) comments |

sábado, agosto 27, 2005

depois da chuva


O Cântico da Terra


Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranqüila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.


(Cora Coralina)


|| Koun, 10:24 PM || (1) comments |

chuva de agosto
ciclistas e passarinhos
respiram aliviados
|| Koun, 1:44 PM || (1) comments |

segunda-feira, agosto 22, 2005

as barras das calças
entre o zafu e o selim
seguem amassadas
|| Koun, 6:25 PM || (1) comments |

quinta-feira, agosto 18, 2005

canário, sabiá, juriti, tuim, gaivota, inhambu, vou passando pelas ruas de moema, o sol começa a clarear a cidade, mas ainda é quase de noite.
essa é a hora dos passarinhos, antes das buzinas, das filas duplas, dos canos de escapamento (aliás, que mentira! quem escapa deles?).
daqui a pouco as garagens dos prédios começam a abrir e os passarinhos somem. só ficam aqueles dos nomes das ruas, palavras sem asa na placa azul.
dobro as ruas vazias – em moema só há esquinas de 90 graus, o espaço cartesianamente organizado, régua e prancheta.
mas agora, no bairro quieto, a piarada nas árvores se espalha, alegre, se entrecruza, indiferente ao quadriculado do bairro.
junto aos passarinhos meu trim-trim, nos saudamos, companheiros de manhã.
essa hora é nossa e ninguém tasca.
|| Koun, 9:04 AM || (2) comments |

terça-feira, agosto 16, 2005

agosto

a paisagem, suspensa,
espera o fim da seca
o inverno definha
|| Koun, 9:38 AM || (0) comments |

domingo, agosto 14, 2005

as massas

Não é dado a qualquer um tomar banho de multidão: gozar a massa é uma arte; e somente pode fazer, às custas do gênero humano, uma pândega de vitalidade, aquele a quem uma fada tenha insuflado no berço o gosto pelo disfarce e pela máscara, o ódio do domicílio e a paixão pela viagem.

Multidão, solidão: termos iguais e permutáveis para o poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão, tampouco sabe estar só em meio a uma massa atarefada.

O poeta goza deste incomparável privilégio de poder ser, a bel prazer, ele próprio e outrem. Como estas almas errantes que buscam um corpo, ele entra, quando quer, na personagem de cada um. Somente para ele tudo está vacante; e se alguns lugares lhe parecem estar fechados, é que a seus olhos eles não valem a pena serem visitados.

O andarilho solitário e pensativo tira uma embriaguez singular desta universal comunhão. Aquele que desposa facilmente a massa conhece gozos febris, dos quais serão eternamente privados o egoísta, trancado como um cofre, e o preguiçoso, internado como um molusco. Ele adota, como suas, todas as profissões, todas as alegrias e todas as misérias que a circunstância lhe apresenta.

O que os homens denominam amor é bem pequeno, bem restrito e bem fraco, comparado com esta inefável orgia, com esta santa prostituição da alma que se dá por inteiro, poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.

É bom ensinar, às vezes, aos felizes deste mundo, mesmo que só para humilhar por um instante seu orgulho tolo, que existem felicidades superiores às suas, mais amplas e refinadas. Os fundadores de colônias, os pastores de povos, os padres missionários exilados no fim do mundo decerto conhecem algo destas misteriosas embriaguezes: e, no seio da vasta família que seu gênio construiu para si, eles por vezes devem rir daqueles que se compadecem de sua sorte tão agitada e de sua vida tão casta.

(Charles Baudelaire, Pequenos poemas em prosa)

|| Koun, 6:37 PM || (1) comments |

domingo, agosto 07, 2005

domingo no parque



bicicletas
pipas
bronzeados
patins
bem-te-vis
piqueniques
beijos
patinetes
bocejos

o coração bate solto sob o sol

|| Koun, 7:15 PM || (2) comments |

quinta-feira, agosto 04, 2005

meditação

na orelha do dragão, começa girando o pedal constante, devagar, inúmeras rodas coordenadas, sobe e desce a perna dura, fim de tarde frio, laranja puro no céu, azul cobalto sobre a cabeça, empurra com força a alavanca ladeira acima, a serra longe à esquerda, verde escuro profundo, dois estudantes namorando devagar na praça, cadernos pelo chão, vira o topo do morro, a loja de aquários se ilumina, desliza, o corpo solto, o ar entra e sai, frio e quente, passa na frente do metrô vila madalena como uma flecha, o grito na cabeça, e a igreja da pompéia aparece lá no fundo à esquerda, cúpulas verde-prateadas, no alto do bairro, o cheiro da padaria, a loja de plantas e de novo arrastar o pedivela, força, força, morro acima, sobe e desce pela espinha do dragão, o vento passa pela copas das árvores, faz um barulho gostoso nas folhas, a subida vira à direita, aparece a grande antena, no final da ladeira se despede do catador, falô irmão, entra na doutor arnaldo, ou seja: zum pelo viaduto, cena de cinema, o sol bem baixo à esquerda, no fim da avenida sumaré, o sinal aberto, rouba o ônibus e sai na frente, klangt, na última marcha, mal vê os pinheiros do cemitério, diminui na frente da faculdade de medicina e pedala olhando para o chão, será que existem mesmo os tais túneis? passa devagar na frente do velório, um grupinho conversa sorrindo e fumando do lado de fora, lá dentro luzes frias, depois várias pistas se cruzam nervosas, vibram umas sobre as outras, é o cóccix ou a nuca do dragão? sobre o viaduto, à direita, uma longa fileira de copas verdes-marrons se extende pela avenida rebouças, pedestres saltitam pela calçada do viaduto, entre os buracos, um atravessa correndo, segurando o celular no bolso, a bicicleta arranca, cruzando os carros que entram na alameda santos, vira na avenida, na longa perspectiva o pontilhado das luzes vermelhas do trânsito parado, segue entre os carros, logo antes da augusta o cheiro do yakissoba invade a pista, no canteiro central as flores estão secas, como o resto da paisagem de inverno, no parque trianon diminui, aproveita o a avenida mais um pouco, e aperta de novo que os ônibus saíram do ponto lá atrás, a bicicleta desliza solta, feliz, radiante, plexo solar, abdome, costelas, o dragão não se move, contente com o carinho, no paraíso o melhor é passar rápido, é tudo apertado, tenso e esburacado, faz o contorno rápido, passa na frente da catedral ortodoxa, enxerga lá dentro e jura que sente o cheiro do incenso, solta-se na avenida vergueiro, rumo à liberdade, pedais soltos, o peito molhado, as mãos agarradas no guidão, corpo e bicicleta, um levando o outro, sem em cima, sem embaixo, corta pelas ruazinhas no bairro, zigue-zague, os moradores dos cortiços nos degraus da porta, as crianças brincando na calçada, música alta sai da janela, os estudantes vão em grupo pela rua, rindo, trim-trim, passa pelo meio deles.

desce da bicicleta na calçada da são joaquim
pára em frente ao portão de ferro
empurra a bicicleta para dentro
estaciona embaixo da escada
sobe o primeiro andar
tira os sapatos
a meia

entra no salão. faz uma reverência. silêncio.

|| Koun, 7:30 AM || (1) comments |

quarta-feira, agosto 03, 2005

desatino

1º dia de aula
na sala de aula
eu e a sala

(Paulo Leminski)

|| Koun, 4:37 PM || (0) comments |