na espinha do dragão

quarta-feira, outubro 19, 2005

num caminho

Satã: – Daqui a cinco minutos podemos estar à vista da cidade. Hás de vê-la desenhando no céu suas torres escuras e seus casebres tão pretos de noite como de dia, iluminada, mas sombria como uma essa de enterro.

Macário: – Tenho ânsia de lá chegar. É bonita?

Satã (boceja): – Ah! é divertida.

Macário: – Por acaso também há mulheres ali?

Satã: – Mulheres, padres, soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, os soldados são padres, e os estudantes são estudantes: para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu.

Macário: – Esta cidade deveria ter o teu nome.

Satã: – Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge. Demais, essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-te de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio.

(Álvares de Azevedo [1831-1852], Macário)
|| Koun, 9:11 PM

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