na espinha do dragão

quarta-feira, novembro 30, 2005

dona Aurora

5:40 no ponto. O engenheiro da pasta de couro, o homem de cabelo com brilhantina, o professor de letras, a mãe do Alex com o filho, a bruxa boa que vem no Campo Limpo-Lapa. A avenida em silêncio; do outro lado, na neblina do parque, dois bem-te-vis mentirosos. O da brilhantina às vezes já está lá, mas quando chega atrasado dá um bom-dia geral. O bom-dia do engenheiro é cortês e dirigido exlusivamente à bruxa boa, reconhecidamente personagem de destaque nessa pequena comunidade. A mãe do Alex chega no ponto num carro velho, dirigido por um homem velho. A bruxa boa chama o menino de "Aleco". O professor de letras espirra com o friozinho da manhã. O ônibus do engenheiro chega. Não é de linha e tem o nome de uma fábrica escrito no vidro da frente. Ele faz uma mesura discreta e embarca. O motorista está invariavelmente sorrindo. A bruxa boa e a mãe do Alex conversam sobre isso e aquilo. Quando não há assunto, é sobre os ônibus. O da brilhantina menciona ter dormido mal, sofre de insônia. A moça do prédio em frente, que até então não tinha aparecido na história, logo começa a explicar uma simpatia que se faz debaixo da cama. Mas o Barra Funda passa e o da brilhantina fica sem saber como é a pajelança. Amanhã vai estar de olheiras de novo. Passa um, dois, até três Vila Mariana e a mãe do Alex não entra, que estão muito cheios. A bruxa boa fala para o professor de letras que o Ibirapuera está atrasado. Não está, mas ele concorda. Num piscar de olhos a mãe e o Alex se enfiam num Vila Mariana. Cheio. Antes de a porta fechar, ela se vira para o ponto e diz: "bom fim-de-semana". A velha responde: "até segunda Aleco!". A avenida já tem movimento. Pessoas desconhecidas, de passagem, saltam no ponto. Ficam dispersas pela calçada, afastadas. Os carros passam correndo, aproveitando que ainda não há congestionamento. Já não se ouvem os bem-te-vis. A bruxa boa fala para o professor de letras: "óia lá, tá vindo o seu". Ele e o da brilhantinha sobem; os dois desejam bom fim-de-semana a ela. A velha, sorrindo, retribui. Enquanto o ônibus se afasta, pode-se vê-la encolhida, cruzando os braços de frio. Satisfeita, imagina-se, por tudo ter dado certo mais uma vez.
|| Koun, 10:56 PM

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