na espinha do dragão

quarta-feira, maio 24, 2006

É bem cedo e faz muito frio. O céu está profundamente escuro e é outono. O bairro, imóvel, permanece em silêncio desde que o guarda-noturno pegou no sono. A cidade está à disposição. A bicicleta desliza solta, produz um pequeno chiado do contato entre a borracha e o asfalto molhado. Até a linha do trem é uma suave descida e o vento gelado envolve o corpo. A avenida termina nos trilhos: à direita, pelo buraco do trem, denominação comum a moradores, motoristas e cobradores, um ônibus passa vazio, iluminado, rumo a Pirituba, à esquerda uma rua segue paralela à linha. Todas as casas estão silenciosas. Agora é plano e empurrar o pedal aquece o corpo. Às vezes encontram-se trabalhadores caminhando, vindos da estação. Em seguida tudo fica novamente deserto e silencioso. Após algumas curvas suaves, chega-se a uma praça. É um espaço amplo, com muitas árvores, em sua maioria quaresmeiras. Nesta época do ano, já se recolheram. Quando se chega ao meio da praça vislumbram-se as luzes da estação. À direita, por sobre o muro da linha, vê-se o Jaraguá, mancha mais escura que o céu. Uma luz pisca no meio da escuridão, suspensa no plano escuro. Chegando-se à estação sente-se cheiro de café. Alguém, todas as manhãs, arma um tabuleiro com fatias de bolo e café. Os trabalhadores juntam-se em torno dessa banca e conversam, encolhidos. Enquanto a bicicleta é presa no poste, os cachorros do mendigo aproximam-se desconfiados. O mendigo sumiu, e com ele a comida. Houve uma madrugada em que vieram alguns carros da polícia. As luzes vermelhas que giravam iluminavam ora a praça, ora a casa abandonada em frente à estacão, ora os cães. O mendigo estava lá dentro, em agitada conversa com os policiais. Passando-se as catracas já não se podia mais vê-los. Depois disso ele desapareceu, e os cães, talvez por não saberem para onde ir, permaneceram na escadaria. De qualquer forma, é uma questão de tempo, há sempre mendigos por ali.

|| Koun, 6:57 AM

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