na espinha do dragão

segunda-feira, julho 31, 2006

Isla Negra


Ode à bicicleta


Ia

pelo caminho

crepitante:

o sol se debulhava

como milho ardendo

e era

a terra

calorenta

um infinito círculo

com céu acima

azul, desabitado.

Passaram

junto a mim

as bicicletas,
os único

insetos
daquele

minuto

seco do verão,
sigilosas,

velozes,
transparentes:
pareceram-me
somente
movimentos do ar.


Operários e moças
às fábricas

iam

entregando

os olhos

ao verão,
as cabeças ao céu,
sentados
nos élitros
das vertiginosas
bicicletas
que sibilavam
cruzando
pontes, rosais, arbustos

e meio-dia.


Pensei na tarde quando

os rapazes
se lavam,

cantam, comem, erguem
uma taça

de vinho

em honra

do amor

e da vida,
e à porta

esperando
a bicicleta
imóvel
porque
somente
de movimento foi sua alma
e ali caída
não é

inseto transparente
que percorre
o verão,
mas
esqueleto
frio
que apenas
recupera
um corpo errante
com a urgência
e a luz,
ou seja,
com a
ressureição
de cada dia.


(Pablo Neruda, Tercer libro de las odas)


[élitro: asa anterior, grossa, de alguns insetos. Protegem as asas que estão
abaixo – e que servem para realizar o vôo – e podem ter a função de dar equilíbrio durante o vôo.]
|| Koun, 12:02 PM

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