Adeus, lata velha de falso brilho, adeus, bolha intacta e brilhante, adeus, proteção vítrea de isolamento plástico, acidentes potenciais, atropelamentos previstos; adeus, possibilidades latentes de engavetamento, falta de gasolina, engates de marcha, manobras de esterceamento, trocas de pneu; adeus, cordões de motoboys cosendo os vãos dessas ruas coaguladas; adeus, pedintes, flanelinhas, guardadores; adeus, Sheilas; adeus áreas de estacionamento proibido, assaltos à mão armada; adeus, telões eletrônicos, outdoors de felicidade eufórica; adeus, quimeras publicitárias enfiadas pela goela de metal abaixo; adeus, limites de velocidades, jatos de poluição no nível dos olhos; adeus, estacionamentos, lava-rápidos, drive-ins e drive-thrus; adeus, pingentes motorizados, limpadores de pára-brisa, malabaristas de fogo, crianças molambentas esmolando nos faróis; adeus, armadura motorizada e desigualdade na pele de lata e vidro; adeus, valsa mefistofélica de transporte particular, coputador de bordo, rodas de liga leve e emissão de gás.
“Palácios de conreto e bólidos de lata. Momentaneamente”, repeti, mais uma vez, em silêncio.
Decidi, pelo menos. Olhando o teto do meu quarto, na solidão íntima do apartamento vazio, decidi vender meu automóvel avariado. Vou vender o carro e ganhar a cidade a pé, viver com pouco, sem proteção, aceitando a sugestão das ruas.
Levantei e fui à janela da sala, de onde a Pompéia noturna me endereçava o brilho intermitente de suas luzes residenciais."
(Trecho de Corpo Concreto, de Bruno Zeni, a ser lançado em breve)