
Ode à bicicleta
Ia
pelo caminho
crepitante:
o sol se debulhava
como milho ardendo
e era
a terra
calorenta
um infinito círculo
com céu acima
azul, desabitado.
Passaram
junto a mim
as bicicletas,
os único
insetos
daquele
minuto
seco do verão,
sigilosas,
velozes,
transparentes:
pareceram-me
somente
movimentos do ar.
Operários e moças
às fábricas
iam
entregando
os olhos
ao verão,
as cabeças ao céu,
sentados
nos élitros
das vertiginosas
bicicletas
que sibilavam
cruzando
pontes, rosais, arbustos
e meio-dia.
Pensei na tarde quando
os rapazes
se lavam,
cantam, comem, erguem
uma taça
de vinho
em honra
do amor
e da vida,
e à porta
esperando
a bicicleta
imóvel
porque
somente
de movimento foi sua alma
e ali caída
não é
inseto transparente
que percorre
o verão,
mas
esqueleto
frio
que apenas
recupera
um corpo errante
com a urgência
e a luz,
ou seja,
com a
ressureição
de cada dia.
(Pablo Neruda, Tercer libro de las odas)
[élitro: asa anterior, grossa, de alguns insetos. Protegem as asas que estão
abaixo – e que servem para realizar o vôo – e podem ter a função de dar equilíbrio durante o vôo.]
Dias e noites vagueiam pela eternidade, assim são os anos que vêm e vão como viajantes que lançam os barcos através dos mares ou cavalgam pela terra. Muitos foram os ancestrais que sucumbiram pela estrada. Também tenho sido tentado há muito pela nuvemovente ventania, tomado por um grande desejo de sempre partir.
(Basho,
Trilha estreita ao confim)
Depois da chuvarada, tudo brilha no caminho do ciclista. Milhares de gotinhas verdeluminosas se soltam das árvores como um véu que se abre, à medida que a bicicleta avança. Baixando, o sol espalha um dourado impossível sobre o asfalto molhado. O ar úmido, carregado do azul que desceu do céu, envolve o corpo, entra suave no pulmão, espalha-se penetrando músculos, sangue e medula, irrigando de luz tudo por dentro. E a roda da caloi 10 reflete o sol, faz um chiado gostoso no chão molhado, passando sobre folhas e flores caídas, flutuando no vapor que sobe do asfalto. Descendo o morro, pelo flanco oeste do dragão, vê-se o sol, que aparece límpido na direção do Jaraguá. A serra verde estende-se exuberante, vicejando esmeralda. O corpo gira. O coração quente. Tudo é a tarde.